O saco de desaforos
Por Marilurdes Nunes
Graduada em jornalismo pela UFMG, prestou concurso público para tradutora juramentada em espanhol, tendo exercido essa profissão por 34 anos. Sempre gostou de escrever e, aposentada, é escritora de livros infantis e infantojuvenis.
Trabalhei muitos anos como tradutora pública juramentada. Fiz concurso, pois sabia bem o português e o espanhol, e fui aprovada. Descobri que a profissão era fascinante.
Com o ofício de tradutor não tinha tanta intimidade, mas vi logo que era um campo de trabalho apaixonante, cheio de desafios. Nos primeiros tempos, trabalhava em casa para ter menos gastos. Com mais experiência, aprendi que era preciso separar a carreira da minha vida privada.
Foi com sacrifício que montei um escritório. Novas despesas para alguém que não tinha um salário fixo. Comprei uma sala comercial, móveis, computadores e mandei fazer um balcão para atender os clientes. Contratei uma secretária e iniciei essa nova etapa com muito entusiasmo.
Quem trabalha com público sabe que costumam surgir clientes mal-educados que se sentem no direito de descarregar no prestador de serviços a raiva, tensão ou frustração que trazem em si. Ainda bem que são raros. Este foi um dos maiores ensinamentos que a profissão me trouxe: lidar com a agressividade e frustração das pessoas que, na maioria das vezes, não são minhas conhecidas.
Após alguns anos de trabalho, desenvolvi uma técnica muito proveitosa: não entrar no jogo da agressividade. Esperar, tranquila, o outro descarregar a sua raiva e depois tratar objetivamente do assunto que o levou a me procurar.
Em princípio, quem atendia o cliente era a secretária. Mas quando eu notava que ele estava sendo agressivo, assumia e controlava a situação. Aos funcionários, assim que eram contratados, dava algumas instruções básicas:
1 – O cliente sempre tem razão. Pode estar completamente errado, mas, para ele, quem está com a razão é ele. Vamos respeitar.
2 – Nunca responda a uma ofensa. Deixe que a pessoa descarregue a sua raiva. Depois ela vai se sentir melhor e será mais razoável.
3 – Não tome as ofensas como pessoais. O cliente não te conhece, não pode ter nada contra você.
4 – Não demonstre seus sentimentos em seu rosto. Faça cara de paisagem.
5 – Se for falado algum desaforo, jogue-o dentro daquele saco.
Então, eu mostrava um canto vazio da sala: – Você não vê, mas ali existe um saco. Todos os desaforos devem ser jogados dentro dele. No final do dia, levo meu saco de desaforos. O funcionário ficava me olhando, meio confuso. Com o tempo, entendia a filosofia do escritório.
Como acho que serve para todos, resolvi contar meu segredo. Tenho sempre à mão o saco de desaforos. Ele serve em qualquer situação: em casa, no trabalho, na rua. E querem saber? O saco não pesa nada! Você aprende a se controlar e a ver a pessoa com outros olhos. Paciência e compreensão com o próximo não fazem mal a ninguém e te ajudam a ser muito mais feliz.
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