Precisamos muito falar sobre a codependência
Dalveneide Santos sofre de codependência por construir vínculo afetivo/emocional com dependentes químicos e de álcool. Porém, a síndrome é muito mais abrangente e envolve não apenas cônjuges, namorados e familiares, podendo ocorrer até no trabalho. Para entender melhor a codependência, conversamos com a psicóloga Maria Cristina Resende: “Codependente é quem convive com alguém dependente, é intimamente ligado e se sente responsável por ele. Sua vida gira em torno da outra pessoa e a situação absorve o codependente, que fica preso e tem muita dificuldade de se libertar, principalmente se o dependente for alguém da família ou marido/esposa”.
O dependente pode ter vícios, doença incapacitante etc. e não nutrir condições de cuidar de si, mas Maria Cristina frisa que nem sempre ele tem alguma doença: “O dependente pode ser apenas inseguro e ficar excessivamente apegado a alguém, não permitindo ao outro crescer e tolhendo sua liberdade. Ele cria a situação de codependência, pois está envolvido e gosta da atenção que recebe, embora não compreenda que todo esse cuidado o sufoca. Quanto mais a pessoa é dependente e incapaz, mais o codependente quer se fazer necessário”. A psicóloga alerta, no entanto, que às vezes o codependente já tem isso tão intricado em sua vida que induz o outro a depender dele, também tirando sua liberdade: “É a filha que se casa com um marido alcoólatra assim como o pai”.
Maria Cristina explica que o codependente não deixa o outro se curar, pois caso contrário não terá de quem cuidar, se sente inútil. “É a mulher que fica pior quando o marido para de beber e até o induz a retomar o vício”. Segundo ela, o que leva uma pessoa a ser codependente é o que viveu na infância: “É alguém muito inseguro, sem feitos próprios, que só se realiza por meio do outro. O valor do codependente está na aprovação do outro, então ele precisa agradar e ser importante para o outro, não para si”. A profissional explica que essa situação traz muito desespero e frustração, pois o codependente é controlador e pensa que sabe o que o outro deseja, mas nem sempre o outro quer o que ele está fazendo. “Isso deixa o codependente perdido”.
Em situações mais graves, tanto o dependente como o codependente precisam de tratamento em separado: “Se o dependente continuar a relação e até quiser cuidar do outro, ele mesmo pode ser codependente, transformando o relacionamento numa simbiose em que um é tão grudado no outro que ninguém tem vida própria”.
Vale dizer que há vários níveis de codependência e ela pode ser saudável: “A mãe que cuida da criança pequena ou que está em idade escolar não é definitivo, pois a criança vai crescer e se tornar independente. A secretária que faz tudo para o patrão, até avisa o dia do aniversário da esposa dele, que se sente valorizado. Mas ela pode sair do emprego, encerrando a codependência. São situações provisórias e às vezes nem tão patológicas. Quando atrapalha e impede a pessoa de viver com independência, aí fica bem mais grave”.
Como impedir as situações de codependência
Identificar-se como codependente não é nada fácil e geralmente ocorre quando há um conflito: “A outra pessoa deixa de precisar dele, pois está adquirindo independência ou se sente tão sufocado que quer se livrar. Quem enxerga os relacionamentos afetivos como tábua de salvação já é um codependente antes mesmo de começá-los, sendo o único desfecho possível o término, mais cedo ou mais tarde. Isso traz sofrimento ao codependente, que pode entrar em pânico e até cometer suicídio nos casos mais graves”, alerta a psicóloga Maria Cristina Resende.
Para evitar ou até superar a codependência, é muito importante que todos nós nos façamos alguns questionamentos: “Você tem medo de perder a outra pessoa? Qual o ganho que você tem nessa relação? A pessoa reconhecer o quanto você é importante e cuida dela não é suficiente. Até que ponto você está prejudicando a sua vida cuidando do outro? O relacionamento te faz crescer ou apenas suga e te deixa preso? Se seu relacionamento acabasse hoje, como você se sentiria? Se vier aquela sensação de muito desespero e pânico, é sinal de que ela é de codependência”.
A profissional afirma que a codependência é curável, desde que a pessoa tenha estrutura e ajuda para sair da situação, seja de amigos ou de um psicólogo, pois é muito difícil se libertar sozinha. “Caso contrário, você sai de uma relação de codependência e entra noutra. Quando você, dependente, deixa que alguém te faça a razão da existência dele, não está colaborando, mas prejudicando o outro”.
Maria Cristina avisa que o codependente se acha forte por estar sempre ajudando o outro, apesar de tudo, mas deve entender que precisa de apoio: “Ele tem dificuldade de olhar para si mesmo e saber do que gosta, pois está muito acostumado a servir o outro. É o caso do recém-divorciado que esqueceu qual era seu prato preferido ou em que cinema gostava de ir, só porque fazia tudo pelo outro, deixando-se perder de si mesmo”.
Para começar a melhorar, o codependente precisa se colocar em primeiro lugar, conhecer seus desejos, necessidades, preferências etc. “Não é egoísmo se ver como a pessoa mais importante da sua vida, é uma conscientização. Você é o único responsável por sua vida, tudo o que você colhe é consequência do que faz, seja bom ou ruim. Egoísmo é querer que os outros façam tudo por você”, pontua a psicóloga.
É preciso também desenvolver várias habilidades, mas a primeira é a autonomia: “Nem que seja nas pequenas coisas, pois às vezes a pessoa não pode começar com grandes movimentos. É aprender a dirigir, falar uma língua estrangeira, algo que te dê prazer de realizar. À medida que vai conseguindo, isso fortalece a sua autoestima e melhora a autoimagem, com menos comportamentos autodepreciativos e melhor gerenciamento dos sentimentos”.
Se você identificou alguma situação de codependência em sua vida, não se desespere: “Todos nós temos algum nível de codependência, são pequenas atitudes que não percebemos que deixam o controle da nossa vida nas mãos de alguém. Não é sempre algo patológico, mas devemos ficar atentos quando isso traz muito sofrimento e sensação de aprisionamento”.